domingo, 20 de maio de 2012

Mineiridades e Mineirices:


Dizem que um mineiro típico é aquele que, por exemplo, sabe entender os lamentos de um carro de boi, come diariamente e sabe fazer o legítimo pão de queijo e é ressabiado por natureza. Os nascidos nas Minas Gerais carregam desde o seu nascimento os requintes da perpetuação de uma tradição, a qual este jeito de ser e viver se define pelo que chamam de mineiridade. Mas a partir deste termo cabem muitas indagações, algumas das quais faremos na coluna deste mês que completa o seu aniversário de um ano.

Serão todos os mineiros disseminados nestas vastidões de terras do sem-fim detentores de uma cultura em comum? Eles seriam modelos que reproduzem determinados padrões de um grupo? E, neste caso, aqueles nascidos no Vale do Paraopeba representariam as Gerais com traços personificados ou individualizados? É momento de reflexão, contudo, é apropriado lembrar Guimarães Rosa que há tempos já sintetizou estas controvérsias adequadamente: Minas são muitas. Porém, poucos são aqueles que conhecem as mil faces das Gerais.

A multiplicidade do ser mineiro não é um privilégio somente daqueles que nasceram neste Estado. É, antes de tudo, uma provocação para todos que vivem neste mundo de ritmo cada vez mais acelerado, na qual as relações sociais tendem a ficar em segundo plano em vista da corrida contra o tempo, o que é potencializado pela globalização. Pois, estar ou ser mineiro é valorizar o cafezinho de bule feito no coador de pano, que exige paciência na morosidade do processo.

Também dizem que o ser mineiro é ditado pelo tempo do aprender a tocar viola, no qual o amadurecimento ou ponderação que lhe é próprio tem muito a nos dizer sobre as heranças da terra e suas raízes históricas. Em tempos remotos, nos idos da colonização do Brasil, para os territórios das Minas vieram gente de todo tipo e lugar em busca das riquezas do ouro, ferro e pedras preciosas. Miscigenaram-se com os índios que viviam nestes arrabaldes, expulsaram e aniquilaram tantos outros. Trouxeram negros africanos que cruelmente se tornaram a mão de obra escrava por excelência.

E nestes sertões longe demais dos litorais constituíram-se famílias de forte devoção aos santos católicos, tão dedicadas à vida doméstica e pautadas na autoridade patriarcal. Dos iniciais povoamentos surgiram arraiais; das modestas capelas nasceram matrizes; das riquezas exploradas a Capitania se tornou Província de Minas Gerais. Pontes, chafarizes, pelourinhos, Casas de Câmara e Cadeia: eis as evocações da Coroa portuguesa nos pretensos símbolos da civilização.

No entre-lugar do ser mineiro – entre a vila e a fazenda; entre o nativo e o exótico; entre os sertões e as alterosas – convergiram-se valores e características atribuídas aos homens das Gerais. Consolidou-se o mito da mineiridade. Sob a égide do ouro e desta alma barroca, tão contrastante e dicotômica, configurou-se esta unidade na diversidade, das Minas às Gerais. É preciso, pois, tratar de mineiridades com o devido uso do plural, haja vista que a cultura mineira se funda nas diferentes influências que reflete as diversas manifestações das identidades regionais do Estado. E reconhecer as diferenças é construir um ser Minas tão Gerais!

Pensar na essência polivalente do próprio ser mineiro é conhecer, pois, sua cultura também por meio da história do Vale do Paraopeba que se materializa no acervo de seu patrimônio cultural. Trata-se do caminho a ser trilhado na missão da conquista da consciência da diversidade para que, então, a cultura local e regional passe a ser mais estimada, preservada e difundida. E também, para além, este conhecimento poderá guiar o acesso à cidadania cultural, um direito e um dever de todos aqueles que têm apreço por sua terra natal.

Para esta descoberta a respeito do universo de possibilidades de identidades convidamos a todos que reflitam como o fez Millôr Fernandes: Mineiro nunca é o que parece, sobretudo quando parece o que é...Apresenta-se incontestável que os ares e os modos dos mineiros se escondem nesta aura desconfiada em grande medida influenciada pelas montanhas. Se muitos dizem que Minas são montanhas, as Gerais também se configuram pelos sertões, aqueles campos que se estendem por aí afora. E a geografia do Vale do Paraopeba aponta para a proeminência desta multiplicidade. 

Do mosaico mineiro, a diversidade é um dos seus pontos fortes. À sombra do fausto e da euforia das Vilas Ricas, Diamantinas e Serros Frios, no anfiteatro de montanhas citado por Oswald de Andrade, no qual os profetas do Aleijadinho monumentalizam a paisagem, surgiram outros espaços com modos peculiares de existência. Constituiu-se uma realidade plural e não cristalizada, visto que é cambiante pela ação do tempo e do espaço. E como são diversificadas as regiões e os povos deste Estado, com seus modos, linguagens, músicas e tradições! Ambiciona-se, então, ouvir o brado da pluralidade para não correr os riscos da construção de estereótipos e clichês ou, ainda, de se perder as ricas particularidades culturais.

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